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O direito ao ócio que nos foi negado

  • Foto do escritor: Débora de Cássia Martins
    Débora de Cássia Martins
  • 28 de dez. de 2021
  • 3 min de leitura

Já passei pela fase empresarial de ser doutrinada a produzir 24 horas por dia, 7 dias na semana. Os dias eram preenchidos com livros motivacionais, poadcast sobre produtividade, agenda de atividades me aguardavam às 5:30 da manhã, audiobook no youtube entre uma atividade e outra e uma saga interminável de maratonas de coaching ensinando os segredos para "quebrar a parede quando a porta não se abre". Ufa, só de escrever isso eu cansei.

Felizmente, a desintoxicação foi concluída com êxito, e no fim no túnel encontrei a série "The Witcher" onde conheci Gerald de Rivia a quem invejei sagazmente por deitar e simplesmente dormir numa época em que mal existia a literatura em papel e a relação com o tempo e com as exigências eram de outra ordem. A história nos mostra o quanto a revolução industrial mudou a nossa forma de ver e se relacionar com a vida, com o tempo. A máquina é mais rápida que o ser humano e mais rápida que a máquina é a internet. Ela vem e revoluciona retirando qualquer resquício que ainda poderia existir em nosso inconsciente coletivo dos tempos primevos em que o deleite era possível. Junto a ela, como se não bastasse, ainda temos o sistema político que nos traz ideologias do tipo a de que se eu me esforçar o suficiente terei uma condição melhor de vida, que meu fracasso está atribuído a minha pouca produtividade e procrastinação. A luta se torna eu contra eu mesma num looping infinito tal como o feed do Instagram.

As batalhas começam em adequarmos na agenda 24 diferentes atividades dentro de 24 horas, e que piora ao entrarmos no Instagram e descobrimos que ainda não atingimos o sucesso porque ainda não incluímos o treinamento-para-andar-sobre-as-aguas na nossa tarefa diária; que o chá-de-querolim é o que contém mais nutrientes que água e traz aquela revigorada pro corpo, corpo esse que está fora da estética convencional e agora precisa de uma cirurgia e uma proteína-do-casco-do-touro para ajeitar. E assim seguimos, achando que estamos abafando, que estamos construindo nosso império, mas estamos apenas correndo que nem um rato em sua esteira, parados dentro de uma gaiola.

Depois de muito caminhar é que comecei a perceber que a verdadeira questão é questionar tudo isso e conseguir descobrir aquilo que é essencial e poder separar o joio do trigo. O que é frívolo mas nos vendem como indispensável? O que é fundamental mas nos passa despercebido? Será que aquilo que eu digo que é meu sonho e que eu 'quero' fazer realmente passa pelo meu desejo ou comprei um discurso porque ele era irresistível? Gosto realmente de chocolate ou como porque a maioria dos doces são feitos com ele? Será que meu corpo realmente tolera bem o chá-de-querolim ou apenas o tomo porque disseram que tem nutrientes? Será que todas as atividades que desempenho é porque quero ou porque me disseram que é assim que terei sucesso? Será que preciso ficar conectada 24 horas ao dias recebendo demandas e as sanando?

Talvez, depois de separar alhos de bugalhos, percebamos que nossa definição de sucesso é outra, que detestamos chocolate, que não é preciso ler todos os livros disponíveis, consumir todas as páginas no Instagram ou Poadcasts, que pessoas importam mais que dinheiro, que saúde é algo muito importante, que comer bem dispensa muitos remédios, que se cuidar verdadeiramente passa por pausas e momentos ociosos; que a natureza é um bem preciosíssimo! Talvez percebamos que podemos sim nos deitar a noite e descansar, é muito mais uma questão de saber o que temos que dispensar, ao que precisamos estabelecer limites e dizer não.


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