'Não faço terapia porque não tenho nada a dizer
- Débora de Cássia Martins
- 28 de dez. de 2021
- 2 min de leitura
Dia desses ouvi de uma amiga próxima que não queria ir na sessão daquele dia porque não tinha nada a falar com o analista. Frases nesse sentido aparecem vez ou outra. "Não faço terapia porque não tenho nada a dizer". Isso me faz pensar como pautamos as relações em base das palavras ditas verbalmente e deixamos de lado outras formas de comunicação como o silêncio, o corpo, os sentimentos e a forma como encaramos uma terapia tal como uma prova que precisamos de uma nota para passar de nível.
Uma relação terapêutica está acima das palavras. Comunicamos muitas coisas ao psicoterapeuta que nem imaginamos, e a minha experiência me mostrou que abrir mão das palavras para simplesmente estar com o Outro é o passo mais profundo da relação. Profundo porque há muitas coisas que as palavras não irão abarcar, elas não dão conta de toda a experiência emocional e tudo que envolve a relação entre duas pessoas.
Falo para os meus analisandos que o espaço da terapia é deles e eles podem usar para falar, desenhar, pintar, brincar ou mesmo dormir. Dormir sim, porque nada mais profundo que dormir na presença de alguém que vele o nosso sono. A experiência com desenhos durante a sessão mostra os muitos conteúdos inconscientes que não podem ser ditos porque carecem de simbolização e a força que o imagem traz para movimentar emoções profundas e que tocam analista e analisando diretamente.
A outra face da moeda é que muitas vezes usamos as palavras porque queremos mostrar algo para o analista do tipo que estamos trabalhando ("olha quanta coisa eu tenho para falar"), ou porque temos medo de sentir as emoções e no lugar ficamos presos às palavras, ou ainda porque achamos que ao pagar um terapeuta, a sessão (relação entre duas pessoas) tem que nos retornar alguma coisa (alô capitalismo!) ou ainda outros motivos que não cabem nesse pequeno texto.
Em suma, uma relação terapêutica está para além das palavras. Podemos falar muito e não movimentar nada internamente, como podemos ficar em silêncio e tocar em lugares que só o estar com outra pessoa desinteressadamente pode permitir.
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