O dilema ético no envolvimento amoroso entre analista e analisando
- Débora de Cássia Martins
- 28 de dez. de 2021
- 3 min de leitura
Não é raro vermos situações em que durante o curso do trabalho analítico o paciente se enamora do seu psicoterapeuta e haja um contra-investimento do analista. Há casos que chegam a se consumar em matrimônio e outros tantos em que o analista se envolve amorosamente com vários pacientes. Psicanalistas não estão submetidos a um código de ética como os psicólogos ao CFP, então, cabe dizer que cada psicanalista vai construir sua própria ética, embasado em sua análise pessoal e por ventura nas orientações de um supervisor. O analista ao defrontar-se com o paciente buscando envolvimento amoroso com ele pode se ver diante de um dilema: ele pode se envolver com o paciente dando continuidade ou não ao tratamento psicoterápico; compreender o sentimento como transferência e trabalhar essa questão com o analisando; ou encerrar o processo terapêutico visto seu desconforto frente à situação. O que diz a Psicanálise sobre esse tipo de envolvimento? Freud (1938) é categórico ao reprovar o estreitamento amoroso ou sexual entre a dupla analítica:
Relações sexuais reais entre pacientes e analista estão fora de cogitação e mesmo os métodos mais sutis de satisfação, tais como preferência, intimidade, etc., só são concedidos parcialmente pelo analista. Uma rejeição desse tipo é tomada [pelo analisando] como ocasião para a mudança; provavelmente as coisas aconteceram da mesma maneira na infância do paciente. (FREUD, 1938, p 113)
Essa reprovação consiste no fato de que não é pelo analista que o paciente está apaixonado, mas pela transferência que é feita, transferência essa que ocorre de modo inconsciente e com todos os aspectos de realidade. Freud categorizou a transferência “como um exemplo de compulsão a uma repetição penosa e infantil, pelo o qual o paciente é obrigado a repetir (atuar) o material reprimido, como se fosse uma experiência contemporânea realmente vivida com o analista” (Zimerman, 2017, p 332).
O paciente vê nele [analista] o retorno, a reencarnação, de alguma importante figura saída de sua infância ou do passado, e, consequentemente, transfere para ele sentimentos e reações que, indubitavelmente, aplicam-se a esse protótipo. Essa transferência logo demonstra ser um fator de importância inimaginável, por um lado, instrumento de insubstituível valor e, por outro, uma fonte de sérios perigos. (FREUD, 1938, p. 122)
Contudo, o amor “assegura o começo de uma psicoterapia, ou seja, é muito frequente que um/uma paciente se apaixone por seus terapeuta.” (Calligaris, 2004). Uma vez que “toda relação é inicialmente uma busca por satisfação libidinal” (Martino, 2018) esse afeto facilita o trabalho do psicoterapeuta - contanto que acabe um dia, para impedir a dependência afetiva eternamente - pois, permite que o processo analítico se dê, possibilitando a elaboração dos “afetos e paixões que são ou foram dominantes” na vida do paciente e podendo ser uma mola propulsora para o paciente elaborar sua dor (Calligaris, 2004). Porém, a possibilidade real é que esse amor esteja dentro de uma confusão de acolhimento e interesse erótico, como uma “tentativa do paciente seduzir o psicoterapeuta e dominá-lo, já [que] este parece possuir algo que o paciente tanto precisa.” A verdade é que a busca, embora pareça ser por satisfação sexual, é para “conseguir parecer ser interessante aos olhos daquele que, segundo crê, pode trazer certo acalento para sua dor” (Martino, 2018) O psicoterapeuta se envolver sexualmente, configura uma “situação próxima à ‘do abuso de uma criança, quando os adultos que ela ama e em quem confia se revelam sedentos de demonstrar sua autoridade pelas vias de fato, na cama”, tal atitude também pode demonstrar aspectos narcisistas, além de falta de análise pessoal e de preparação para tal profissão, provando que o “terapeuta está precisando de ajuda” (Calligaris, 2004). Não obstante, o olhar do psicoterapeuta pode estar borrado pela inversão de valores da sociedade; sendo levado a responder ao envolvimento sexual a partir de uma ótica de objetificação - adestrada pelo sistema econômico - configurando ao profissional a perda da visão de singularidade, subjetividade e valor do mundo e do homem, tratando seu paciente como “objeto descartável, para uma só utilização” (Bauman, 2000). Essa ótica de mundo faz com que as relações emocionais sejam empobrecidas, o outro seja usado para benefício próprio e se desemposse da responsabilidade emocional para com o outro.
Por isso é imprescindível a necessidade de que o profissional que se disponha a adentrar o setting analítico e escutar o paciente tenha uma formação sólida, responsabilidade emocional sobre as pessoas que o circundam, esteja com sua análise pessoal em curso e acompanhado de um profissional mais experiente como supervisor. Uma vez que os efeitos para o paciente podem ser catastróficos, é inaceitável que o envolvimento entre a dupla analítica se dê. E, vendo o psicoterapeuta que não consegue lidar com a transferência e contratransferência, entregue o caso para outro profissional, que possa vir a ser habilidoso em lidar com o paciente.
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